No século 18, uma mulher negra, escravizada, jovem e mãe de dois filhos enfrentou grandes desafios no interior do Piauí. No entanto, Esperança Garcia foi oficialmente reconhecida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como a primeira mulher a praticar advocacia no país. Em um ato simbólico realizado recentemente em Brasília, um busto em homenagem a Esperança Garcia foi instalado na sede nacional da OAB, marcando a conclusão de décadas de resgate histórico e destacando a luta política de advogados negros.
Vera Lúcia Araújo, jurista e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB nacional, ressalta que esse reconhecimento histórico é resultado não apenas do resgate histórico, mas também de uma ação política da advocacia negra. Ela enfatiza a importância de que essa conquista simbólica seja seguida por medidas mais efetivas para aumentar a presença de negros no mundo jurídico. Vera Lúcia destaca a necessidade de a OAB garantir o cumprimento das cotas para a eleição de conselheiros e diretores do Conselho Federal, além de defender a inclusão de juristas negros na composição do Supremo Tribunal Federal.
Esperança Garcia ganhou destaque após a descoberta, em 1979, de uma carta escrita por ela. No documento, ela denunciava os abusos cometidos por seu administrador, que a submetia e a seus filhos a maus-tratos físicos e restringia os direitos dos escravos da fazenda Poções. Com base nessa carta e outros registros da época, a Seccional da OAB do Piauí reconheceu o documento como uma petição jurídica, que continha todos os elementos necessários, levando ao reconhecimento de Esperança Garcia como primeira advogada do estado em 2017.
Após cinco anos de campanha, o Conselho Federal da OAB aprovou o reconhecimento do documento escrito em 1770 como uma petição, oficializando Esperança Garcia como a primeira advogada do Brasil em dezembro do ano passado. Antes dela, o título era atribuído a Myrthe Gomes, que ingressou na advocacia mais de 100 anos depois, em 1899.
O reconhecimento de Esperança Garcia representa um marco importante na história da advocacia brasileira, mas é apenas o primeiro passo em direção a uma maior representatividade negra no meio jurídico. A luta por igualdade e inclusão deve ser mantida, com a OAB desempenhando um papel fundamental na promoção de medidas concretas para aumentar a presença de advogados negros nos espaços de poder e decisão.