Lúcia Menezes, artista itapipoquense, lança novo albúm “Até que alguém me faça coro pra cantar na rua”

Artista da Terra dos Três Climas faz sucesso em cidades do Rio de Janeiro.

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Ela sempre terá músicas inéditas em seus discos, compostas pelos compositores e letristas que quiser — porque eles vêem nela uma voz a serviço da canção, não a serviço de si mesma. É o que define essa raça tão especial de cantoras — as que cantam também com a cabeça, não só com o gogó.

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Estou falando de Lúcia Menezes, claro, senhora do território que vai de Itapipoca, no Ceará, onde ela nasceu, ao Leblon, no Rio, onde mora. São muitos quilômetros musicais, compreendendo serra, sertão e mar — águas, terras e ares do Brasil que a cercam, não importa onde esteja, e que fecundam sua arte. Seu novo disco, Até que alguém me faça coro pra cantar na rua, da gravadora Atração, é mais uma prova disso.

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O que já seria suficiente. Mas ele é muito mais. É um disco necessário para esses tempos tão difíceis. Num momento em que o mundo que conhecemos se equilibra na ponta de uma agulha — uma agulha de injeção — e, como se não bastasse, é assolado pela brutalidade, Lúcia vem nos socorrer com uma profusão de valores permanentes. Esses valores são a sensibilidade, a fé, a esperança, a alegria e, por que não?, o humor. É o que está contido nas treze canções que ela escolheu para este disco e que, quando as escutamos, devolvem ao mundo a melodia, a harmonia e o ritmo — a beleza — de que ele nunca devia ter se afastado.

 Mas todos os discos de Lucia são assim, não? Passear por eles é uma viagem pelo espaço e pelo tempo da música brasileira. Pelo espaço, porque ela não deixa uma região do Brasil desamparada – canta sambas, choros, baiões, xotes, cirandas, ranchos, toadas, ritmos de todas as regiões. E pelo tempo, porque faz isso com música de todas as épocas, das muitas eras de ouro do passado, em que se produzia uma obra-prima por minuto, até nossos tempos de comparativa seca e escassez. Pois até destes Lúcia extrai coisas boas, que ela sabe que continuam sendo feitas — só precisam ser captadas e, para isso, ela é uma antena.

 A eternidade já parece começar por “Rancho das borboletas”, a marcha-rancho de Miguel Rabello, colorida pelas imagens e rimas insuperáveis de Paulo Cesar Pinheiro. Continua por “E bateu-se a chapa”, samba de Assis Valente com que Carmen Miranda começou a maior fase de sua carreira, na Odeon, em 1935, e se estende ao “Tico-tico no fubá”, de Zequinha de Abreu, com a letra quebra-língua que Aloysio de Oliveira escreveu para Carmen em 1944. E o que dizer das inéditas “Quando a égua esfrega o bode?” e “Caatinga seca”, de Eduardo de Menezes Macedo, um de seus filhos músicos, e “Samambaia trepadeira”, de Gervásio Horta, e “Forró do beliscão”, de Ary Monteiro, João do Vale e Leôncio? São vibrantes recortes da vida do Nordeste, com um sabor de conto e crônica em forma de música. É a cearensidade de Lúcia, seu cordão umbilical com o mundo.

 E, como se não nos conhecêssemos desde os tempos do Solar da Fossa, em 1968, aqui no Rio, Abel Silva ainda consegue me surpreender com a letra de “Aquele olhar”, sua parceria com Nonato Luiz, cheia de rimas internas, inesperadas, em que “beijos” ecoa em “desejos”, “magia” em “um dia”, “vazio” em “vadio” e “macio” em “ficou frio” e “olhar de cio”. Aliás, uma marca do disco é a força e originalidade das letras em todas as faixas — vide “Pra incendiar seu coração”, de Moraes Moreira, “Você disse não lembrar”, de Adriana Calcanhoto, e as inéditas “Lua de esperar”, de Cristovão Bastos e Roberto Didio, e “Ciranda do beijo roubado”, de João Lyra e Zeh Rocha. Bastos e Lyra, por sinal, são os responsáveis pelos arranjos e regência do disco. O qual, como se fosse preciso dizer — basta escutá-lo! —, traz a inconfundível marca de qualidade do produtor José Milton.

 E de onde Lúcia tirou esse título, Até que alguém me faça coro pra cantar na rua? Da letra do clássico “Um chorinho”, de Chico Buarque, naturalmente. Lançado pelo compositor em 1967, nunca aquela imagem se revelou mais atual. Neste dramático 2020, Lúcia amenizou a solidão e o medo de muitos cariocas ao fazer lives diárias da janela de seu apartamento no Alto Leblon nos piores meses da pandemia. E, em todas elas, sonhava com o dia em que alguém lhe fizesse “coro pra cantar na rua”.

 É o sonho de todos nós — nos juntarmos a Lúcia num grande coro que um dia sairá à rua.

Fonte: Sopa Cultural

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