O Governo Federal deu início a uma nova etapa de sua reforma administrativa com o objetivo de modernizar a legislação que rege a administração pública federal, tornando-a compatível com a Constituição Federal. A proposta visa substituir normas vigentes há mais de cinco décadas e reestruturar o funcionamento da máquina pública para torná-la mais eficiente e adequada às demandas atuais.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), em parceria com a Advocacia Geral da União (AGU), formou uma comissão composta por mais de uma dezena de especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos. Esse grupo tem até abril de 2025 para apresentar uma proposta de revisão completa da legislação, que será baseada nos princípios constitucionais e na necessidade de modernização do Estado.
Além dessa revisão, o MGI editou em agosto de 2024 a Portaria nº 5.127, que estabelece novas diretrizes para a estruturação de carreiras no serviço público. A norma define princípios e orientações gerais que os órgãos públicos deverão seguir ao apresentarem suas propostas de reestruturação de cargos, carreiras e planos.
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José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, destacou que essa portaria é o primeiro grande instrumento normativo desde o Estatuto do Servidor, criado pela Lei nº 8.112 em 1990. “O governo federal já está fazendo uma reforma administrativa na prática”, afirmou Cardoso Jr., ressaltando que, desde 2023, o governo vem adotando uma série de medidas infraconstitucionais que fazem parte desse processo.
Medidas em andamento
Entre as medidas já em execução, Cardoso Jr. mencionou o concurso público nacional unificado, lançado recentemente, e o dimensionamento da força de trabalho, que tem como objetivo quantificar e definir os perfis mais adequados de servidores. Ele também destacou as novas normas que visam o aperfeiçoamento da política nacional de desenvolvimento de pessoas no serviço público. Segundo o secretário, essas iniciativas fazem parte de um processo contínuo de reforma, que está em ação.
Comparação com a PEC 32
Especialistas que acompanham o tema avaliam que a reforma administrativa em andamento é mais abrangente do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, apresentada ao Congresso Nacional em 2020. A PEC 32 visava a reestruturação parcial do serviço público, focando principalmente em reduzir custos com servidores, mas não chegou a ser votada no Plenário da Câmara dos Deputados devido à falta de apoio político.
Para a professora Michelle Fernandez, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), a PEC 32 “nasceu obsoleta” por ter um objetivo estritamente fiscal, sem abordar a função essencial do Estado e o papel do servidor público na execução de políticas sociais. A pesquisadora Sheila Tolentino, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também argumenta que a PEC tratava apenas dos funcionários públicos e não do funcionamento do Estado como um todo. “O Brasil precisa de uma reforma que olhe para o serviço entregue à população”, afirma Tolentino.
Impacto sobre o serviço público
Representantes dos servidores públicos têm se mostrado críticos em relação a propostas que poderiam afetar a impessoalidade das contratações no serviço público, alertando que medidas como a terceirização de funções em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança, podem prejudicar a qualidade dos serviços prestados à população. Além disso, servidores apontam que a estabilidade no emprego, uma das garantias atuais, é fundamental para investigações de corrupção e para o bom funcionamento do Estado.
Entidades empresariais, por outro lado, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), defendem que a PEC 32 teria gerado economia e ajudado a reduzir a dívida pública. Contudo, o sociólogo Félix Garcia Lopes Jr., do Ipea, rebate essas afirmações, explicando que dados mostram que o número de servidores públicos no Brasil é proporcionalmente menor do que em países desenvolvidos. Segundo o Atlas do Estado Brasileiro e estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem cerca de 11 milhões de servidores públicos, o que representa menos de 13% do total de trabalhadores do país — uma proporção inferior à de países da OCDE, onde a média é de 20,8%.
Desafios para o futuro
O debate sobre a reforma administrativa revela visões concorrentes. De um lado, há quem critique o tamanho do Estado e o excesso de burocracia; de outro, há uma crescente demanda da população por mais e melhores serviços públicos, principalmente nas áreas de saúde, educação e segurança.
Michelle Fernandez, da UnB, lembra que, em momentos de crise, como a pandemia de COVID-19, a importância da administração pública eficiente fica clara, e as empresas privadas também dependem de uma estrutura estatal bem organizada para prosperar. Sheila Tolentino, do Ipea, conclui que as medidas em discussão atualmente no governo não buscam apenas cortar gastos, mas sim construir capacidade para o futuro, garantindo um Estado mais eficiente e preparado para atender às demandas da sociedade.
Na próxima semana, em Brasília, a comissão de especialistas se reunirá para debater temas como inovação e controle na administração pública. O evento será transmitido ao vivo e poderá ser acompanhado pelo público interessado.