Quase a metade dos municípios cearenses está entre os mais dependentes do Programa Bolsa Família (PBF) em relação ao restante do Estado. São 90 cidades que recebem valores acima da média estadual, que é de R$ 187,13 por família, em abril deste ano. De acordo com o Ministério da Cidadania, o Governo Federal desembolsou cerca de R$ 200 milhões no mês passado para mais de um milhão de famílias cadastradas no Programa no Ceará. Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que os pagamentos do PBF podem parar em setembro caso o Congresso não aprove o projeto de crédito suplementar de R$ 248 bilhões que o Governo necessita.
Caso ocorra a suspensão, muitas cidades do interior do Ceará sentirão os efeitos negativos dos cortes. O primeiro impacto será na arrecadação dos municípios e na redução do consumo das famílias. Segundo o professor Vitor Hugo Miro, coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC, a pobreza também deve aumentar nestas cidades.
“Para muitas famílias, o Bolsa Família constitui a principal fonte de recursos para o consumo. Então, haveria aumento da pobreza e redução de consumo. Isso se daria em municípios menores com economia de base rural. A arrecadação tributária é muito dependente dessa transferência de renda. Com uma provável suspensão, o comércio declina”, explica.
Segundo ele, a longo prazo, o efeito negativo se daria no aumento das desigualdades sociais. “O impacto posterior seria muito grande sobre a desigualdade. A gente estaria retornando a crescer a desigualdade de distribuição de renda no Brasil. Aqui no Nordeste, que é a região reconhecidamente mais pobre do País, a gente teria esse impacto negativo”, avalia.
Na opinião de Miro, a suspensão dos recursos é improvável. “Eu acho que, em última instância, o Governo deixaria chegar numa situação de suspender o Programa. A gente teria que enfrentar uma situação fiscal muito complicada para suspender o Bolsa Família. O Governo teria diversas alternativas na hora de ranquear prioridades”.
Ele diz ainda que há fortes evidências de quanto o Programa ajudou a reduzir a pobreza e a desigualdade. “Uma família para receber os recursos tem que manter a criança na escola, tem que manter a criança assistida por programas de saúde. Se um programa desse é suspenso e você corta os incentivos, você consegue ter um efeito muito perverso a longo prazo. O Bolsa Família tem toda a importância de retirar essas famílias da pobreza hoje e gerar um esforço para retirar as famílias da pobreza no futuro porque se essas crianças tiverem acesso à saúde e educação, você espera que elas não permaneçam na pobreza”, enfatiza.
Dependência
Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Rural da Universidade Federal do Ceará (UFC), Francisco Tabosa, o valor médio do benefício seria um indicativo de que o município é mais dependente ou não do Bolsa Família em relação ao valor médio do Estado.
Além disso, o repasse para o Ceará teve aumento de quase 8%, passando de R$ 185 milhões em abril de 2018 para quase R$ 200 milhões em igual período de 2019.
“Nos últimos anos, essa dependência aumentou por dois fatores. O excesso de período de estiagem de 2010 a 2017. Isso afetou muito o meio rural onde programas de transferência de renda e aposentadoria rural serviram de muita importância para a sobrevivência das famílias”.
O outro fator é a crise econômica que aflige muitas famílias do interior. “Você teve um aumento considerável no número de desempregados e o Bolsa Família passou a ser um fator preponderante em relação a isso. Naqueles municípios que são mais vulneráveis, qualquer acréscimo de renda nas famílias tem um impacto extremamente positivo. Quanto maior for o número de pessoas na família, maior é o repasse desse valor e maior é a dependência do município”.Entre os 30 municípios mais dependentes, sete estão na região Norte: Chaval, Umirim, Moraújo, Acaraú, General Sampaio, Santana do Acaraú e Senador Sá.
Itatira, no Sertão Central, registrou a maior média do valor do benefício por família, de R$ 276,13. Segundo o Ministério, a cidade recebeu em abril R$ 1.096.808 por meio do Programa, quantia repassada a 3.972 famílias beneficiadas. O levantamento levou em consideração o valor médio dos benefícios pagos para as famílias de cada cidade cearense. Normalmente, os municípios maiores têm mais beneficiários e refletem um gasto total mais elevado. É o caso, por exemplo, de Fortaleza, Caucaia e Itapipoca. As três cidades são as que mais receberam recursos do Programa no mês passado.
Para a Capital, foi desembolsado mais de R$ 37 milhões para pouco mais de 210 mil famílias, com um valor médio do benefício de R$ 176,86. Já Caucaia, na Região Metropolitana, e Itapipoca, na Região Norte, receberam R$ 5 milhões e R$ 4,1 milhões do Governo.