Um estudo recente do Banco Central (BC) revelou que parte significativa dos recursos dos programas sociais do governo federal está sendo direcionada para apostas eletrônicas. Beneficiários do Bolsa Família, programa que atende cerca de 20 milhões de pessoas, gastaram R$ 3 bilhões em plataformas de apostas online, conhecidas como bets, via Pix, apenas no mês de agosto.
O levantamento foi solicitado pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), que pretende acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para pedir a retirada temporária das páginas de apostas até que a regulamentação federal seja implementada. Segundo a análise do BC, aproximadamente 5 milhões de beneficiários participaram dessas apostas, com um gasto médio de R$ 100. Do total, 70% dos apostadores são chefes de família, responsáveis por movimentar R$ 2 bilhões do montante total.
A análise incluiu tanto apostas em eventos esportivos quanto em jogos de cassinos virtuais, mas abrangeu apenas transações realizadas via Pix, o que significa que o volume total apostado pode ser ainda maior ao incluir outros meios de pagamento, como cartões de débito, crédito e TED (transferência eletrônica direta). Vale destacar que o levantamento considerou apenas os valores transferidos para as casas de apostas, não levando em conta os eventuais prêmios recebidos pelos apostadores.
O Banco Central também estimou que o gasto total via Pix com apostas eletrônicas pela população em geral variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões mensais, com o valor de agosto chegando a R$ 20,8 bilhões, mais de dez vezes superior ao R$ 1,9 bilhão arrecadado pelas loterias oficiais da Caixa Econômica Federal no mesmo período.
Em agosto, o Bolsa Família pagou R$ 14,12 bilhões a 20,76 milhões de beneficiários, com um valor médio de benefício de R$ 681,09 por família. O gasto registrado com apostas equivale a cerca de 21% do total pago pelo programa naquele mês.
Declarações e preocupações
Durante um evento organizado por um banco em São Paulo, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, expressou preocupação com o crescimento das transações para plataformas de apostas, que aumentaram 200% desde janeiro, triplicando o volume de transferências via Pix para essas atividades.
“A correlação entre pessoas que recebem Bolsa Família, pessoas de baixa renda, e o aumento das apostas tem sido bastante grande. A gente consegue mapear o que teve de Pix para essas plataformas e o crescimento de janeiro pra cá foi bastante grande. A gente pega o ticket médio e subiu mais de 200%. É uma coisa que chama atenção e a gente começa a ter a percepção de que vai ter um efeito na inadimplência na ponta”, comentou Campos Neto.
O presidente do BC alertou que esse comprometimento da renda das camadas mais pobres com as bets pode prejudicar a qualidade do crédito no país, gerando um possível aumento na inadimplência.
Regulação das apostas
O governo federal já começou a se movimentar para regulamentar o setor. Na semana passada, o Ministério da Fazenda anunciou a suspensão das bets que não tiverem pedido, até 30 de setembro, autorização para operar no Brasil. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a preocupação com o crescimento das apostas no país, referindo-se a uma “pandemia de apostas online” e defendendo a criação de mecanismos de regulação para proteger os cidadãos.
“[A regulamentação] tem a ver com a pandemia [de apostas eletrônicas] que está instalada no país e que nós temos que começar a enfrentar, que é essa questão da dependência psicológica dos jogos”, afirmou Haddad. “O objetivo da regulamentação é criar condições para que nós possamos dar amparo. Isso tem que ser tratado como entretenimento, e toda e qualquer forma de dependência tem que ser combatida pelo Estado.”
A pressão por uma regulamentação mais rigorosa deve aumentar, especialmente com os dados que evidenciam o impacto que as apostas têm gerado nas finanças de famílias beneficiadas por programas sociais.