A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) emitiu um alerta sobre a transmissão da meningite eosinofílica por meio de caramujos após a morte de um paciente em abril, no município de Nova Iguaçu, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Análises laboratoriais identificaram a presença do verme causador da doença, o Angiostrongylus cantonensis, em um caramujo coletado na área onde o paciente contraiu a infecção.
A meningite é caracterizada pela inflamação das meninges, membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal. A investigação foi conduzida pelo Laboratório de Malacologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A malacologia é o ramo da biologia que estuda os moluscos. Após a notificação do caso à Fiocruz, agentes da Vigilância Ambiental em Saúde (Suvam) de Nova Iguaçu e do IOC realizaram a coleta de caramujos em diferentes pontos do bairro Ipiranga, onde o paciente foi infectado.
De um total de 22 moluscos analisados, o verme foi encontrado em um caramujo da espécie Pomacea maculata, conhecido popularmente como lolô ou aruá. Não havia registros de meningite transmitida por caramujo no estado do Rio desde 2014. No Brasil, tais casos têm sido documentados desde 2006.
Estudos realizados pelo Serviço de Referência para Esquistossomose-Malacologia da Fiocruz, entre 2008 e 2021, detectaram a presença do Angiostrongylus cantonensis em 14 estados brasileiros.
Para a chefe do Laboratório de Malacologia do IOC/Fiocruz, Silvana Thiengo, o caso reforça a necessidade de atenção dos serviços de saúde para o diagnóstico da doença. “Desde 2006, temos casos de meningite eosinofílica no Brasil. Porém, muitos profissionais de saúde ainda desconhecem a doença. Os médicos precisam lembrar dessa possibilidade para fazer o diagnóstico e oferecer o tratamento adequado”, enfatizou.
Transmissão
O verme Angiostrongylus cantonensis segue um ciclo de vida que envolve roedores, como ratos, onde se desenvolve até a fase adulta. As larvas geradas são eliminadas pelas fezes dos roedores e acabam ingeridas por caramujos. Dentro dos moluscos, as larvas adquirem a capacidade de infectar vertebrados.
A infecção humana ocorre quando pessoas ingerem um caramujo infectado ou seu muco, que contém as larvas do verme. Segundo a Suvam, há relatos de que o paciente contraiu a infecção ao ingerir um caramujo de água doce cru.
Pesquisadores do IOC também coletaram animais como ratos, preás e gambás na região para verificar a infecção nesses mamíferos. As análises continuam em andamento.
Sintomas da doença
Os sintomas mais comuns da meningite eosinofílica incluem dor de cabeça e, menos frequentemente, rigidez da nuca e febre. Distúrbios visuais, náuseas, vômitos e parestesia (formigamento ou dormência) também podem ocorrer. A maioria dos casos resolve-se espontaneamente, mas o acompanhamento médico é crucial para prevenir complicações graves, que podem ser fatais.
O tratamento foca na redução da inflamação no sistema nervoso central e no alívio da dor.
Cuidados
Silvana Thiengo sugere três principais formas de prevenir a infecção por caramujos: cuidados ao manuseá-los, higienização rigorosa de verduras e a evitação do consumo de moluscos crus ou malcozidos.
Os caramujos comuns próximos a áreas residenciais incluem Achatina fulica, conhecido como caracol gigante africano. As autoridades de saúde recomendam a coleta manual destes moluscos, sempre com luvas ou sacos plásticos. Em seguida, devem ser imersos em água fervente por cinco minutos. Após isso, as conchas devem ser quebradas e descartadas de forma que não sirvam como criadouros para mosquitos Aedes aegypti.
Se a exposição à água fervente não for possível, os caramujos podem ser submersos em uma solução de uma parte de hipoclorito de sódio (água sanitária) para três de água por 24 horas antes do descarte das conchas.
Outras medidas incluem a lavagem cuidadosa de frutas e verduras, deixando-as de molho por 30 minutos em uma mistura de um litro de água e uma colher de sopa de água sanitária, enxaguando bem antes do consumo.
A Fiocruz destaca a importância de agentes de vigilância municipais monitorarem os riscos de infecção por meio da coleta periódica de moluscos para análise parasitológica, realizada pelo Serviço de Referência do IOC/Fiocruz.
Segundo Elizangela Feitosa, coordenadora do Laboratório de Referência, poucos municípios enviam espécimes para análise regularmente, pois as equipes de vigilância muitas vezes precisam focar no combate a epidemias como a dengue, deixando a vigilância dos caramujos negligenciada.
Nova Iguaçu é um dos municípios que realiza monitoramento regular. “Geralmente, a população faz o apelo por causa do incômodo causado pelo caracol africano. Mas, sabendo que temos uma doença emergente, coletamos amostras para vigilância parasitológica e orientamos os moradores sobre como coletar os caramujos de forma segura”, explicou José de Arimatea Brandão Lourenço, responsável pela vigilância malacológica no município.
A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro informou, em nota, que ainda não foi notificada oficialmente pela Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu, mas mobilizou uma equipe técnica para investigar o caso.