Em um cenário de um ano marcado pela seca na Amazônia, temperaturas extremas e agravamento da fome e desnutrição entre populações indígenas, o Brasil se vê envolto em um debate crítico sobre a redução das demarcações de terras indígenas. Mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, deputados e senadores aprovaram a medida no Congresso Nacional.
A advogada indígena e assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cristiane Baré, destaca a persistência na resistência dos povos indígenas. Ela foi uma das juristas que se manifestaram contra o marco temporal no STF em 2021, argumentando que a imposição do marco temporal não faz sentido diante da longa história de violações de direitos desde a invasão do Brasil.
Em setembro deste ano, o STF invalidou a tese, considerando-a em desacordo com a Constituição brasileira. Contudo, apenas oito dias após a decisão, Câmara e Senado aprovaram um projeto de lei para incluir a tese do marco temporal em lei federal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente o projeto, mas o Congresso derrubou os vetos.
Após a derrubada, organizações indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e o governo iniciaram a elaboração de recursos a serem analisados pelo STF. Enquanto grupos favoráveis ao marco temporal, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), argumentam que a medida evita insegurança jurídica, especialistas alertam para as contradições entre a lei aprovada e a Constituição.
O professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Wallace Corbo, ressalta a contradição entre a nova lei e a Constituição, indicando que haverá necessidade de uma declaração de inconstitucionalidade. Ele destaca a expectativa de reafirmação do STF em relação à decisão anterior, apesar de possíveis pressões contrárias.
A questão da indenização também se destaca, sendo autorizada pelo STF para proprietários que receberam títulos de terras que deveriam ser consideradas áreas indígenas. Tanto organizações indígenas quanto especialistas expressam preocupação com a paralisação do processo demarcatório e a complexidade de determinar a “boa-fé” dos ocupantes.
Neste contexto, o Brasil enfrenta desafios significativos na busca por soluções equilibradas que respeitem os direitos originários dos povos indígenas, enquanto debates sobre a constitucionalidade da nova lei e a questão das indenizações continuam a polarizar opiniões.