Com estrutura pronta desde 2014, o local onde deveria funcionar o Hospital Regional de Itapipoca, município localizado a 130 quilômetros de Fortaleza, chama a atenção pelo tamanho e inutilidade. Orçado em mais de R$ 20 milhões, o equipamento nunca chegou a abrir as portas para atender à população, que segue questionando que fim levará a gigantesca estrutura abandonada.
“Já fizeram três vezes (o hospital). Já caiu, já roubaram tudo. A última vez fizeram concurso, colocaram os aparelhos, mas depois levaram embora. Infelizmente não funciona”, afirma a agricultora e doméstica Tereza Souza, moradora de Itapipoca.
Pertencente à Fundação Amadeu Filomeno, a estrutura do hospital foi construída com dinheiro do Fundo Nacional de Saúde, por meio de emendas parlamentares. O projeto foi lançado em 1992 e orçado em cruzeiros, posto que o real ainda nem existia. Ao todo, segundo a própria fundação, a obra custou R$ 19,8 milhões de recursos federais, além de R$ 1,6 milhão oriundos do Governo do Ceará, que custeou obras de infraestrutura para o local.
Atual presidente da Fundação Amadeu Filomeno, Silveira Ponte informou que o hospital ainda não foi inaugurado por “falta de equipamentos e de recursos para a manutenção durante os cinco primeiros meses de funcionamento”. Ele afirmou, ainda, que está em negociação com outra Organização não Governamental (ONG) para equipar, custear e administrar o equipamento, com o objetivo de começar a atender a população ainda neste ano.
A Secretaria de Saúde do Ceará, porém, informou que os equipamentos destinados ao hospital foram repassados para unidades da rede estadual pelo fato de a obra ainda não ter sido concluída. A pasta diz também que o Estado apenas construiu a “subestação elétrica e a parte da estrutura da unidade”, mas que não é responsável pelo custeio e manutenção do equipamento.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, para construção e compra de equipamentos do Hospital Regional de Itapipoca, foram investidos R$ 19 milhões, e que a execução das obras é de responsabilidade da gestão municipal e da Fundação Amadeu Filomeno, que devem organizar e abrir o serviço para atendimento à população. A pasta diz, ainda, que acompanha a situação e deve iniciar uma auditoria sobre a unidade.
Fundação citada em CPIs
Ao longo dos anos, a Fundação Amadeu Filomeno chegou a ser citada em duas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) no Congresso, por conta da obra. Uma delas teve relação com o escândalo conhecido como “Anões do Orçamento”, descoberto em 1993. No esquema, políticos manipulavam emendas parlamentes para desviar dinheiro através de entidades sociais. A outra citação ocorreu na ‘CPI das ONGs’, na década passada.
Os ex-presidentes da Fundação Amadeu Filomeno, Aníbal Gomes e Francisco Flávio Silveira Gomes, chegaram a ser condenados, em 2002, pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades, como emissão de notas frias, gastos sem prestação de contas e fraude no processos licitatório. Os dois pediram revisão da decisão e foram absolvidos pelo TCU, em 2004.
Sobre as investigações da aplicação dos recursos na obra, o atual presidente da fundação, Silveira Ponte, afirmou que todos os convênios foram aprovados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).
O deputado federal Aníbal Gomes (DEM), por sua vez, informou que as denúncias contra ele não foram confirmadas pelo TCU e que toda a prestação de contas do dinheiro aplicado foi aprovada pelo Ministério da Saúde. O outro ex-presidente investigado da fundação, Francisco Flávio Silveira Gomes, não foi localizado pela reportagem.
Municípios na expectativa
Além de Itapipoca, o hospital, que seria de grande porte, atenderia cidades vizinhas, o que aumenta a expectativa entre os moradores de toda a região Norte do Ceará.
“Esse hospital deveria atender mais de cinco cidades, sendo um centro realmente de especialização. Infelizmente está aí parado, e a gente, cidadão, se sentido roubado por causa disso”, afirma o psicanalista clínico Daniel Oliveira, também morador da região.
Em Itapipoca, nenhuma das outras unidades de saúde atende casos de alta complexidade. Pacientes como o marido da autônoma Conceição, que sofreu uma fratura na cabeça, precisam ir para Fortaleza. “Eu acho um desperdício muito grande, de uma obra muito grande, sem utilidade, né?”, questiona.