Em um julgamento que chamou a atenção para a delicada questão da violência doméstica, o juiz paranaense Marcelo Quintin utilizou uma abordagem criativa e cultural para fundamentar sua sentença. O magistrado citou um trecho da obra “A Lei Maria da Penha em Cordel”, escrita pelo artista cearense Tião Simpatia, durante o processo no qual um marido pleiteava indenização e medidas protetivas contra sua esposa, em 2019.
No cordel, o trecho destacado pelo juiz discute a diferenciação de gênero na aplicação da Lei Maria da Penha, ressaltando que, de acordo com a lei, somente a mulher é amparada em casos de violência doméstica. Marcelo Quintin defendeu que a obra, apesar de sua natureza artística e cultural, abordava detalhes e informações jurídicas relevantes para o caso em questão.
O magistrado explicou que a escolha do trecho do cordel visava facilitar a compreensão dos jurisdicionados e esclarecer a fundamentação da decisão. Ele ressaltou que a Lei Maria da Penha é uma ferramenta crucial para a proteção de um segmento social vulnerável, destacando que a maioria esmagadora dos crimes ocorridos no Brasil atualmente é relacionada à violência doméstica.
Em sua defesa, Quintin salientou que a realidade brasileira é marcada pelo sofrimento diário de mulheres vítimas de violência, e que a lei busca trazer equidade em uma sociedade que, muitas vezes, tenta atribuir a questão a fatores biológicos ou políticos. Ele reforçou a importância de campanhas de conscientização e a relevância do “Agosto Lilás”, mês dedicado a ressaltar a luta contra a violência doméstica.
O juiz também reconheceu as críticas recebidas por sua decisão, particularmente de homens que questionaram a ausência de leis que os protegessem em situações de violência doméstica. No entanto, ele frisou que o homem é protegido pelas leis comuns, como o Código Penal, mas que a Lei Maria da Penha é uma resposta específica à desigualdade enfrentada pelas mulheres no contexto da violência doméstica.
Marcelo Quintin destacou que, desde o julgamento em 2019, a lei foi aprimorada com a inclusão de punições para crimes como perseguição e violência psicológica. No entanto, ele ressaltou a necessidade de maior fiscalização e atendimento às vítimas, especialmente nas áreas mais remotas do país, onde a violência muitas vezes assume contornos medievais.
O magistrado alertou para a frequência alarmante de feminicídios em casos de violência doméstica e enfatizou a importância de intervir nos estágios iniciais da violência, como ameaças psicológicas e perseguição, para evitar o agravamento para violência física e, em última instância, feminicídio.
Quintin finalizou seu pronunciamento ressaltando a urgência de ações efetivas para combater a violência doméstica desde o seu início, a fim de proteger as vítimas e evitar tragédias que poderiam ser evitadas com intervenção adequada e o apoio das autoridades.
Nesse contexto, o uso do cordel como recurso jurídico chamou a atenção para a importância da conscientização sobre a violência de gênero e para a necessidade contínua de aprimorar as leis e políticas de proteção às vítimas de violência doméstica em todo o país.